O meu gosto, quase obsessão, por
antiguidades e velharias leva-me a coleccionar peças do passado, para
apresentar no presente e projectar no futuro, utilizando os actuais meios de informação
disponíveis, quer para perpetuar as mesmas, quer para que os futuros conheçam
o inegável e honroso passado dos nossos pais, avós e outros mais.
2. Uma Geração de
Carpinteiros:
O meu avô materno, Joaquim Jorge
Gomes – J J G, natural da Asseiceira Grande (Milharado), do concelho de Mafra,
toda a sua vida foi carpinteiro.
Começou como ajudante, depois
aprendiz, até chegar a mestre de carroças e carros de bois – fazia as rodas dos
antigos carros de bois e das carroças: rodas, raios, varais, e tudo o mais que
era em madeira…
No intervalo destes trabalhos, fazia
barris, celhas e pipas em madeira, para além janelas e portas em madeira, tudo
moldado à mão, quer no seu quintal, quer na casa dos clientes, pois nesses
tempos até as portas e janelas se faziam na casa do cliente. Não eram só os
madeiramentos das poucas moradias que se faziam, com asnas, vigas, barrotes,
ripas, fechais, e tudo o mais.
A evolução foi grande e rápida; os
carros de bois acabaram, as carroças começaram a escassear e com o advento das
primeiras camionetas de passageiros, o trabalho diversificou.
Foi o meu avô, já com o meu pai, “o
rapaz”, como dizia, como ajudante que encarroçou as primeiras camionetas ou
“carreiras” do Isidoro Duarte, da Póvoa da Galega (Milharado) – Mafra, pois as
mesmas eram entregues somente com chassis e longarinas e sem carroçaria –
vinham de Lisboa, mas já traziam a madeira em cima delas para depois as
encabinar, já que toda a estrutura era em madeira, tal como o pavimento, onde
assentavam os bancos, alguns ainda corridos e todos em madeira.
O meu pai, Manuel Jorge Franco Gomes
– M J F G, com a evolução natural, deixou a carpintaria de toscos, passou para
a carpintaria de limpos e mais tarde para a carpintaria de limpos.
Passou por uma grande carpintaria
havida na Malveira, os Irmãos Augustos, trabalhou em várias obras emblemáticas,
à época, no Concelho de Mafra, como o Hospital de Mafra e mais tarde veio
trabalhar para a carpintaria existente à entrada sul de Mafra, na Rua do Canal,
do saudoso Guilherme Machado.
Em 1956 estabeleceu-se por conta
própria, com o seu sócio de sempre, Carlos da Silva, da Póvoa de Cima (Santo
Isidoro), igualmente do concelho de Mafra, fundando a Carlos & Jorge, Lda.,
na antiga Rua dos Cabeços, actual Rua Normando Correia Leitão, a qual ainda se
mantém em laboração (2014).
3.
Ferramentas do meu Avô:
Perpetuando a actividade do meu avô e
dando a conhecer as ferramentas que o mesmo utilizou ao longo da sua vida de
carpinteiro; guardadas, mantidas e conservadas pelo meu pai; cumpre-me a mim,
agora coleccioná-las, catalogá-las e divulgá-las publicamente, para conhecimento
de todos.
Há já algum tempo que vinha a pensar
neste projecto, mas continuamente adiado, por outras situações.
Mas o mote foi dado, através da
“Exposição de Ferramentas da Construção, no Convento de Mafra”, inaugurada a 5
de Dezembro e organizada pela Associação Amigos do Convento de Mafra –
Guardiães do Palácio”, que depois de a visitar, decidi avançar com o presente
documento de inventariação e catalogação de ferramentas do meu avô e também do
meu pai.
Aqui vai o primeiro conjunto de
ferramentas de uma colecção de centenas, para conhecimento de todos:
1.
Cabedais (2):
Cabedais |
(Ferramenta
de orientação e apoio (duas mestras ou guias) - serve para ver o empeno duma
tábua. Há distorcer um cabedal pelo outro).
2.
Govete ou Goivete:
Govete ou Goivete |
(Ferramenta
de envaziar (rebaixar uma peça para encaixar outra), com a profundidade
desejada).
3.
Cantil:
Cantil |
(Ferramenta
de envaziar (rebaixar uma peça para encaixar outra), com bitola de afinação da
largura do envaziado).
4.
Cintel:
Cintel |
(Ferramenta
de marcação e traçagem – serve para desenhar circunferências, arcos, etc.)
5.
Afagadeira de Tanoeiro, Faca de Tanoeiro ou “corteché” de Tanoeiro:
Afagadeira, Faca ou "Corteché" de Tanoeiro
(Ferramenta
de acabamento - serve para rectificar e alisar aduelas de barris, ou de outras
peças curvas).
|
6. Enxó de Tanoeiro:
Enxó de Tanoeiro |
(Ferramenta
de desbaste – serve para desbastar peças de madeira ou para fazer o entalhe de
grandes peças de madeira).
7. Graminho para peças sutadas:
Graminho para peças sutadas |
(Ferramenta
de marcação – serve para marcar respigas de peças sutadas)
8. Junteira Direita:
Junteira direita |
(Ferramenta
de corte - serve para fazer juntas às tábuas ou rebaixar topos para pôr os
cabedais, para ver o empeno das peças - tábuas).
9. Plaina de replainar:
Plaina de replainar |
(Ferramenta
de corte - serve para rebaixar as almofadas das portas, dos veda-luzes, etc.,
de forma plana).
10. Plaina de Replainar com moldura:
Plaina de replainar com moldura |
(Ferramenta
de corte - serve para rebaixar as almofadas das portas, dos veda-luzes, etc.,
com moldura - decoração).
10-A. Garlopa:
Garlopa |
(Ferramenta
de corte e desbaste - serve para fazer juntas de portas, etc).
Nota: Veja-se a qualidade e requinte do
fabrico desta ferramenta, com as iniciais JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
11. Cepo de Moldar:
Cepo de moldar |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para moldar caixilhos – para fazer a decoração dos
pinázios, vergas e couceiras).
12. Cepo “Maroto”:
Cepo "Maroto" |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para moldar caixilhos – para fazer o rebaixo por
fora).
13.
Cepo Nacela:
Cepo Nacela |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para moldar caixilhos – para fazer o rebaixo por
dentro).
14. Cepo de macho-fêmea:
Cepo Macho-Fêmea |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para fazer o macho de forro, por exemplo, a fêmea é
feita com o cantil).
Nota: Veja-se nesta ferramenta as inicias
JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
14-A Cepo de Parelha (Macho-Fêmea):
Cepo de Parelha (Macho-Fêmea) |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para fazer o macho e fêmea do solho).
Nota: Veja-se nesta ferramenta as iniciais
JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
15. Arco de Pua:
(Ferramenta
de furar - serve para fazer furos na madeira, com a aplicação de brocas com o
diâmetro do furo desejado, para colocar cavilhas ou palmetas).
16. Formão de Relhas:
(Ferramenta
de fazer furos (profundos) - serve para fazer furos (profundos) na madeira, para
a aplicação de relhas das rodas dos carros de bois- travamento das peças de
madeira que constituem a roda).
17. Cepo Macho:
Cepo Macho |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para moldar os peitos das janelas).
Nota: Veja-se nesta ferramenta as iniciais
JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
18. Cepo de moldar fasquias:
Cepo de moldar Fasquias |
(Ferramenta
de corte e molde - serve para moldar fasquias, alquitraves, boceis, etc.,
consoante o ferro).
Nota: Veja-se nesta ferramenta a data de
fabrico 22-7-30 (1930) e as iniciais JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
19. Cantil de
envaziar, com bitola:
(Ferramenta
de corte e molde - serve para fazer envaziados, e consoante a bitola usada
assim a largura do envaziado).
20. Plaina Come-gente ou Plaina
desbastadora:
Plaina Come-gente ou Plaina desbastadora |
(Ferramenta
de desbaste, com um bom poder de corte - serve para desbastar tábuas
empenadas).
21.
Plaina:
Plaina |
(Ferramenta
de desbaste - serve para desbastar qualquer peça plana de madeira).
22. Robote:
Robote |
(Ferramenta
de desbaste (é uma plaina maior) - serve para desbastar qualquer peça plana de
madeira).
23. Robote de Juntas:
Robote de Juntas |
(Ferramenta
de desbaste (é uma plaina maior) – esta serve para fazer juntas de qualquer
peça plana de madeira).
Nota: Veja-se nesta ferramenta as iniciais
JJG – Joaquim Jorge Gomes (o meu avô).
24. Rebaixador:
Rebaixador |
(Ferramenta
de desbaste e moldar – serve para fazer rebaixes em qualquer peça plana de
madeira).
25.
Caipira, Corteché ou Raspador:
Caipira, Corteché ou raspador |
(Ferramenta
de raspar e acabamento – serve para raspar e fazer o acabamento de peças de
madeira).
26.
Bitola
(Ferramenta
de orientação e apoio - serve para tirar medidas e fazer marcações,
comparativamente).
4.
Epílogo:
Para já apresentamos este extenso conjunto
de ferramentas, oportunamente continuaremos a apresentar mais, indicando qual o
seu uso e para que servem.